Era uma sombra do que fora um dia, uma sombra em dia nublado, ainda mais cinza do que o comum.
A praça deserta trazia a tudo um sentimento de dor que era palpável, algo que me sufocava e eu sentia que mais um pouco não conseguiria questionar nada, não cumpriria o meu papel de repórter.
Mas eu era apenas uma fã, sempre fora, lembrava do encanto de vê-la no palco, sempre tão viva, ágil, pulsante. E procurava sem me cansar por resquícios disso naquela atriz ainda tão nova. Havia?
Talvez, escondido lá dentro da alma dela, naquele lugar que eu jamais chegaria.
Minha vontade era dizer que tudo ficaria bem, não que eu soubesse muito disso, era uma vida dedicada ao trabalho para estar ali, famosa, com direitos. Não sabia o que era perder um amor, não sabia o que era ganhar um amor, nada relacionado ao tema.
Então de súbito me ocorreu pedir que ela descrevesse toda a dor, quem sabe isso faria algum sentido?
E ela foi dizendo tudo aquilo, o quanto desejara tanto estar com ele, mesmo com toda sua loucura de querer sempre mais e mais, mesmo com o medo de nada dar certo, mesmo com a carreira. Ela desejara do jeito que ela sabia, um jeito que era invisível, mas ela lera que o invisível é mais real.
E quando foi cobrado, ela fez escolhas, ela decidiu seguir o caminho dele, ela se jogou sem medo, se arriscou.
E ele não estava mais ali, agora, para dizer que valera a pena, porque por mais que não se precise, às vezes se quer ouvir isso.
Coisa traiçoeira aquilo que a vida lhe aprontara e ela agora não sabia mais como agir, como ir em frente, interpretar papéis que mesmo feitos para ela, não diziam nada. Tudo que ela fazia remetia a algo que poderia ter sido dito, e não foi.
Todos os sorrisos que dava em cena traziam sorrisos que ela gostaria tanto que tivessem sido verdadeiros, ao lado dele, os sorrisos que ela esperara para poder dar.
Como eu poderia pedir para ela voltar? Como se eu mesma desejava largar tudo e ir procurar viver tudo aquilo? Se pela primeira vez eu via aquela mulher tão verdadeira e o que ela me despertava não sentira em filme nenhum que ela interpretara?
Eu a vi secar as lágrimas, balançar a cabeça, esfregar os olhos sem maquiagem e mordiscar o lábio inferior.
E eu quis abraçá-la, tanto que não me contive.
Dei por encerrada a entrevista e na edição seguinte a matéria que se via não dizia uma palavra sobre a volta dela, sobre os planos para o futuro, sobre a carreira ou sobre a trágica história da mulher que perdeu um amor por acidente de percurso.
O que dizia era o que eu mesma conseguia sentir. A vida é traiçoeira, muito.
Uma história vivida por qualquer pessoa que se arrisque ou não, se a gente soubesse que o risco de morte é maior que o risco de vida, a gente saia por aí sem se preocupar com matérias em revistas. Sem se preocupar com encenações ou falas decoradas.
A gente ia atrás daquele clímax que precisa, porque nunca se sabe quando as cortinas vão se fechar, quando os créditos vão subir.
(Ao som de: The Scientist - Coldplay)
Texto para a Edição Roteiro do Projeto Bloínquês
Incrível esse texto, vê-se a dor da entrevistadora, da entrevistada. A imagem foi explorada na medida certa, me fez imaginar duas mulheres sentadas no banco de uma pracinha, conversando. Uma contando, outra sentindo. Aliás, sentimento foi algo que extravasou nesse texto. Poucos erros ortográficos, criatividade imensa. Realmente, não há muito o que comentar. Parabéns pelo fantástico texto. Um beijo!
ResponderExcluirAvaliação Roteiro - Projeto Bloínquês
Recordei-me de um artigo da Martha Medeiros que li há pouco tempo. Você possui a clareza e a dosagem certa das palavras igualmente a ela. Realmente achei seu texto incrível e com completa magnificência.
ResponderExcluirParabéns pela vitória no projeto ;D
Beijos :*