quinta-feira, 9 de junho de 2011

Da metáfora que se parte


"Pelas esquinas de olhares indiscretos
O nosso amor quebrou feito objeto"

É que vieram crises e você não estava pronta para elas. Eu fiz muitas promessas e de consciência tranquila olho para os objetos que você com tanto cuidado escolheu para decorar o nosso lar. Nunca gostei da sobriedade imposta por você com tantos tons de marrom, mas era para ter o seu toque, hoje todo esse marrom me faz lembrar uma proteção de tela típica dos Estados Unidos, todas aquelas folhas caídas no chão, sem vida.
Eu queria cor, pedi demais.
Não estou aqui culpando o seu perfeccionismo ou a sua mania de organização, não estou culpando as noites em claro que passei tentando entender porque era tão simples para mim e tão complexo para você. A culpa é minha por ter acreditado demais, investido demais, amado demais.
A culpa é toda minha e não é o desamor que me corrói, é ela. Ela me faz sofrer porque eu quis tanto que fôssemos o casal do século, eu quis tanto que você fosse minha princesa, minha rainha, meu porto de paz. Eu só quis você. Isso faria algum mal, uma hora ou outra.
E você saiu pela porta da frente, sem bater ou deixar cair uma lágrima, você saiu tão segura que eu não pude ficar esperando você voltar, eu vi nos seus olhos que não havia volta. 
Hoje eu vejo nesses objetos milimetricamente colocados sobre a mesinha de centro, eu enxergo o seu reflexo turvo me dizendo que eu não sei o que quero da vida, que devia ter mais pretensões, devia ter ambições. Pra quê?
Eu as tinha, eram tão óbvias. Tinha a ver com filhos e um cachorro correndo, não tinham a ver com você enfurnada na cozinha nos alimentando. Eu sempre quis o seu crescimento, não seja falsa consigo mesma.
Mas eu sonhei e sonhos simples não movem o seu coração construído com a revolução industrial. Você sempre precisou de mais que ventos para mover o seu moinho, algo como eletricidade ou energia nuclear, talvez.
E agora eu tenho rompantes de quebrar tudo isso, de pichar os seus quadros sóbrios, de perfurar suas almofadas e redecorar todo o ambiente.
Quantas mil vezes você me disse que era pra sempre? Não foi.
E não fui eu quem matou ou destruiu, sinto muito por ter que te dizer a verdade dessa vez.
Você acabou com tudo que era realmente sólido, aliás, talvez nunca tenha existido algo sólido. Talvez todos esses tons opacos indiquem que éramos fadados ao fracasso, desde o princípio. Eu tão desantento não notei que nunca estive mesmo com você. Nunca notei que os sonhos de família eram meus, os seus eu não sei bem quais são, até hoje.
Quando você saiu inundando tudo de outono eu me senti tão mal, tão triste por ver acabar assim a nossa história. Mas hoje eu enxergo que havia um mínimo de dignidade na sua atitude, você me libertava. Obrigada por me mostrar que pode-se redecorar uma vida.
Quero que venha alguém disposto a pintar paredes de azul, vermelho ou roxo, quero que venha alguém que não se importe se elas não estiverem pintadas. Alguém que me chame de bobo por acordar em meio da noite apenas para olhá-la, porque eu nasci esse tipo de pessoa, sonho acordado.
E quero que você não volte para buscar nada, esqueça que construímos uma casa de joão-de-barro. Olhe o céu e tente ser canarinho, tente cantar sem saber a melodia e colorir a vida de alguém. 
Por nós mesmos já somos nublados o suficiente, ninguém precisa de mais cinza em sua vida, aquarele-se.
Acordei, em todos os sentidos.


(Ao som de: Fotos na Estante - Skank)
Texto para a edição roteiro do Bloínquês

Um comentário:

  1. Lindo, lindo.
    realmente mereceu o primeiro lugar.
    nincuém precisa de mais cinza nesta vida.
    (me encantei por seu texto guria ;*)

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Lembre-se que você me faz feliz. Críticas serão sempre aceitas, desde que você use de um mínimo de educação. Eu jamais ofendo ninguém, tente prezar a reciprocidade.
Beijos!

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