sábado, 24 de março de 2012

De quando foi mais sincero


Era uma vez um mundo em que a palavra 'amor' não existia. Poetas se complicavam para fazer rimas, o vocábulo 'flor' vivia sozinho andando de verso em verso procurando um encontro rico. As pessoas não se amavam, mas elas eram próximas de forma quase mágica pois não havia o medo do 'desamor'. Não haviam promessas em torno de uma palavra dita em vão. Não haviam cartas de amores rasgadas e muito menos amor rasgado. Sem amor outra palavra deixara de ser usada, 'banalização'. Sem amor os outros tocavam as mãos, apertavam os olhos, davam-se aos pedaços inteiros porque quando não se tem o que dizer, começa-se finalmente a amar, a mostrar. A verbalizar algo que não precisa ser palavra pra existir. 

sexta-feira, 23 de março de 2012

Da paz que eu busco agora


"Não deixe o sol morrer
Errar é aprender
Viver é deixar viver"


Querido,
Fazem tantos anos ou faz tempo que não te escrevo, não sei contar mais nada desde a nossa última palavra que deveria muito ter sido doce. A propósito, não sei mais escrever. Verdade seja dita eu andei até mesmo um tempo não sabendo viver.
Foi você quem apontou o norte e disse que eu deveria ir. Foi você quem rabiscou a rota no ante-braço e me sorriu tão grande e me falou naquele inglês péssimo de secundarista que 'that's over. That's all'.
Posso te contar segredos bobos? Porque não sei mais o que dizer a não ser que a vida aqui foi estranha nos primeiros dias, chovia tudo que brotava dentro da minha tristeza bem guardada no fundo da minha alma. Chovia e eu queria me desmanchar em gripe ou febre ou tudo pra que quem sabe você doesse aí a minha ausência e viesse me buscar, mão na orelha pra dizer que me amava, de forma que só eu, mais ninguém, tivesse direito à verdade pura e límpida da nossa história. Você sempre me amou.
Fiz escolhas. Fiz inglês, peguei carona, conheci gente bonita e interessante e intelectualizada, visitei museus e praias e parques. Subi e desci tantas mil vezes em rodas gigantes metafóricas ou reais que fiquei um pouco confusa em relação ao que é chão e o que é céu.
Anos depois então estou de volta. 
Estou de volta pro meu lugar no mundo que dizem meus pais é o meu país. Iludidos eles são pois nunca me viram nos seus braços, ali, o meu lugar.
Tanta coisa mudou em mim que sei que não me cabe mais pedir abrigo. A língua está mais afiada, hoje digo verdades como quem compra pão porque haja o que houver é sempre melhor ser real. As roupas não ficam mais viajando da cama para a cadeira e da cadeira para a cama, aprendi a guardar tudo porque não cabe que o mundo veja como as coisas ficam desnudas da gente. Hoje quero ter filhos, quero sorrir pro cachorro do vizinho e jogar pedrinha no lago. Quero descongelar a geladeira e deixar a água inundar a cozinha sem medo de ter que limpar toda a bagunça causada depois. A gente sempre precisa, uma hora ou outra, limpar a bagunça que vem das coisas que descongelam.
Eu quero muito adotar uma criança, quero ensinar idiomas pra ela, quero contar histórias, quero doar sangue regularmente e me alimentar bem. Saltei de um avião, deveria ter te contado antes. Senti tanto medo lá em cima e enquanto todos me olhavam eu só pensava que gostaria tanto que você fosse feito de nuvem pra eu mergulhar dentro de você e me perder no branco céu. Eu estive tão longe amor, tão. Mas você se enraizou de tal forma aqui que foi comigo, teimando sempre, mas foi.
E agora que estou de volta, agora que fui correr o mundo e não sei se aprendi algo que não tenha sido o quanto você é meu, agora que eu estou pronta pra bater na sua porta madrugada caindo e interfone insistindo, agora que eu me tenho por inteira e posso te dar quantas partes minhas forem precisas para tapar todo o buraco de vida que eu sei que você tem. Agora que eu preciso de você mais do que sempre porque eu descobri que faz sentido o nada ou o tudo ao seu lado, por favor dê um passo e venha para a luz do sol.
Dê um passo e deixe que eu te puxe pela mão porque velocidade é algo que corre tão fundo nas minhas veias que não sei andar sem ser aos tropeços. Dê um passo e deixe que eu te faça parar, deixe que eu more no seu abraço, no seu sorriso, na sua casa.
Só venha, por favor. Venha e me diga que a gente agora vai aprender mais do que aprendeu separados nesse tempo bobo, trago festa, sorriso e balão pra você. Trago no bolso os mesmos medos da adolescência, mas trago em mim a marca de quem espera por anos apenas uma coisa: nosso encontro.
Quero ser parte inteira da gente.


(Ao som de Enquanto Ela Não Chegar - Frejat e Come Out Of The Shade - The Perishers)

sexta-feira, 16 de março de 2012

Do alívio imediato

Amor,
Chove como se fosse possível varrer a terra e plantar novamente tudo de novo, ou é só um desejo forte do meu peito que haja espaço para se olhar com carinho o velho pintado de novo?
Você acabou de sair por aquela porta e eu não sei como consegui me manter presa, talvez eu seja parte da decoração agora, talvez eu seja parte desse apartamento vazio que tanto fiz questão de conquistar, parte dessa liberdade imposta que implica não ter você.
Sei querer, sabe... Eu sempre soube querer, nunca fui o tipo de pessoa que não sabe o que espera da vida, adolescente que era no interior já sabia que uma hora chegaria aqui. Construi com murros em pontas de facas cicatrizes que me afastariam de dores futuras. Eu tinha desistido de ser de outra pessoa fazia tempo, eu tinha colocado no peito a convicção fajuta de que seria melhor inteira, sozinha, focada.
Mas você apareceu e me tirou o chão desde o começo, eu que sempre precisara da certeza de pés firmados, que sepmre tivera pavor de altura. Você veio como um presente de grego da cidade tão nova, como uma preparação para os dilemas que seriam tão meus nos próximos meses.
Lembro agora aquele primeiro olhar na praia, lembro você me dizendo que sabia que eu não era daqui e que sabia também que eu ficaria. Clichêzinho de quem quer conquistar. E logo eu, eu tão sabida das coisas desse mundo, eu tão ciente do futuro brilhante, eu me deixei cair naquele olhar fundo, naquela barba malfeita que em outras ocasiões critiquei tanto. Eu quis pertencer ao mundo porque você estava nele.
Agora você bateu a porta e não bate mais nada dentro de mim, é como se o sangue estivesse desistido de ser bombeado e tivesse resolvido ir brincar com aquelas borboletas idiotas que eu acreditava ser invenção de poetas românticos.
Eu quero você.
Eu quero a ponto de doerem os braços pela falta bruta que consome o corpo. Eu quero olhar para todas as outras mulheres que te enxergam e ter a certeza que nenhuma delas será tão próxima quanto eu. Quero abraçar suas costas e saber que o espaço existente ali é feito sob medida para o descanso do meu pensamento. Eu gostaria tanto que nada disso soasse incoerente como sei que está.
Porque veja bem, eu expulsei você, mas eu quero que você volte. Preciso que você me diga que sou boba e infantil no alto dos meus vinte e poucos, que preciso crescer e que você vai me puxar pelas mãos ou pelas orelhas até que eu entenda que fiz tudo e vim parar onde era preciso, em você.
Volte amor, volte e diga que meu aniversário foi ótimo mas que o presente verdadeiro foi estar após a festa ali, sofás distantes e eu só pensando em quanto seria preciso me aproximar até você ter a audácia de tentar me beijar.
Eu preciso que você me segure os braços, que use a força e os olhos, que me faça mergulhar e que me beije. Eu preciso que você me tire o ar e que me solte no meio do nada pra bater asas, tenho pavor de altura mas é você quem vai me esperar, peito aberto lá em baixo.
Sabe, não sei ser romântica, me sinto tola. Terrivelmente tola por ter impedido o que aconteceu milhares de vezes dentro do meu pensamento. Tantas e tantas vezes fantasiei que você vinha no meio da noite e que roçava a barba no meu pescoço, que me matava de raiva e por fim, por fim sabe, como que me presenteando por ter sido o tempo todo uma menina boa tentando ser má, você me sopraria os olhos, passaria os dedos firmes pela ponta dos meus lábios e me beijaria.
Pareço uma adolescente, eu sei.
Por favor, por favor diga que tentará novamente, que voltará empurrando porta abaixo e me impedido de proferir tolices, diga que sou sua menina e que me fará confissões porque não sei não ser mais que isso agora. Ou não diga nada, só venha.
Quebre os muros, apague as luzes, desligue o mundo.
Engenheiros sussurram ali do som: 'nem caiu a ficha e já caiu a ligação'. Não deixe tocar muito, não me deixe tentar em vão. Não me perca, não me deixe perder nada.
Agora, só por hoje amor, faça com que eu me arrependa de ter sido egoísta e não ter imaginado desde o princípio que você seria o erro mais acertado da minha vida faz-de-conta que é perfeita.
Volte. Venha.

(Ao som de: Arms - Christina Perry)

quinta-feira, 8 de março de 2012

Do ar que falta


But I'm not too sure
Mas eu não tenho muita certeza
How I'm supposed to feel
Como eu devo me sentir
Or what I'm supposed to say
Ou o que eu devo dizer
But I'm not, not sure
Mas eu não tenho, não tenho certeza


As palavras saem quase sem querer, ouvidos atentos escutam aquele 'eu estava errado, o tempo todo eu estava errado'. As mãos dele passeiam pelos cabelos dela, ela não sabe o que dizer, não consegue compreender como depois de tanto tempo ainda existe alguma coisa ali capaz de reconhecer a digital dele, capaz de fazer o sangue acelerar tão compulsivamente, como se em breve alguma explosão ocorresse ou o mundo apenas se tornasse um lugar seguro, os braços dele estavam de volta.
Não era como ela imaginara, não havia a luz do Sol para dar um ar romântico, não havia a chuva para fazer com que se parecesse cena de filme adorado, onde estava a Lua dos casais? O cenário de repente deixara de ter qualquer influência na história e ela adorava histórias descritivas cheias de detalhes sobre cores e aromas e os lábios dele que vinham, e os olhos. E as mãos.
Onde estava o coração dela nesse instante? Certamente ele saíra, pedira conta da tarefa de bombear todo aquele sangue, não era possível tarefa assim, não para um coração desajeitado e com tendências ao desespero.
As mãos dele ainda brincavam com as mexas recém nascidas próximas à orelha e ela não sabia não dizer não. Não conseguia conceptualizar qualquer frase que fosse, o tempo parecia não passar e de algum lugar vinha um cheiro de folha sendo pisada em quintal, de grama molhada e de tudo que fora lindo e ela apagara na dor de não ser mais.
Ele estava errado. Ela estava certa então? Isso significava que toda a dor era culpa dela, culpa de uma certeza que ela insistira para ter e então valia o que o fato de que ele estava ali agora, ele estava tocando sua pele novamente, ele estava com os olhos vidrados e ela quase conseguia contar os segundos da respiração tão próxima aos ouvidos.
As mãos doíam. As pernas pesavam um oceano inteiro e lá dentro icebergs começavam a degelar.
E então ela fechou os olhos. Precisava do beijo. Precisara antes da certeza, não mais. Coisa mais estranha de se sentir essa vontade alucinada de ter nas mãos um pedaço de raio. Trovejava a alma.
Veio forte, tempo demais esperando para ser acontecido. Ela não conseguia se concentrar para respirar e o ar desistira de sair de seus pulmões. Tudo nela queria ser parte do que estava sendo tão perfeito. Tudo nele era vontade de estar com ela. Tão ela, tão certa, tão de certa forma feita sob medida para ele.
Ele tocava seu rosto, ela respirava humildemente tentando arranjar substituto decente para o coração já na fila do seguro desemprego.
E o beijo terminou.
E os olhos se abriram.
Não fora sonho, não fora medo, não fora. Os tempos verbais passados não seriam mais precisos, o presente estava de volta.


(Ao som de Silverchair - Miss You Love e As Palavras - Vanessa da Mata)
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