domingo, 27 de janeiro de 2013

Prateleira Neurótica: O Lado Bom da Vida


"- Acho que também preciso de você."
(página 254)

Quando você abre O Lado Bom da Vida pela primeira vez e se depara com Pat dentro do 'lugar ruim' corre o grande risco de se apaixonar por esse homem sem memória e dotado de boas e novas intenções. Ao longo de cada página você vai se encantando com a vontade de alguém de enxergar o lado bom das coisas apesar de todos os pesares, com a vontade de ser gentil ao invés de ter razão, com a ideia de que o passado pode ser bem esquecido e a gente pode preservar aquilo de melhor que viveu.
Mas a cada página da história desse homem tão perfeito em sua loucura (que por sinal poderia ser de qualquer um de nós) eu me vi abrindo um espacinho dentro do peito e me reavaliando, até onde é tudo real? Até onde somos mesmo a pessoa que acreditamos? Dotada de boas intenções, aprisionando nossa loucura pessoal em algum canto escondido, em uma caixa abarrotada de poeira onde escondeu o que não quer lembrar?
Quando eu me coloquei no lugar do ex-professor de história e até boa parte do livro um homem que acabou de sair da reabilitação mental me apaixonei ainda mais. Pat e sua crença de que o bem superará tudo, Pat e sua desilusão porque oras, essa vida que nós precisamos encarar nem sempre sorri bonitinha feito uma criança que acabou de ser penteada e escovada com todos os produtos que se tem direito antes de ir ao dentista.
Existem histórias de amor que duram e existem aquelas que ficam para sempre, deixe que eu explique a diferença entre os conceitos. Durar não significa existir para sempre, quando algo é para sempre dentro de nós vai se tornando memória e todo mundo uma hora ou outra tende a fantasiar um pouco as próprias memórias, é da nossa natureza (ou talvez seja apenas da minha) encantar o que ficou. A gente pinta com olhos hollywoodianos um dia comum, joga um brilho de Sol numa foto nublada, entende uma referência literária como um eu te amo secreto que só nós na nossa infinita cumplicidade de intimidade conseguimos entender. Durar é ir tão além de ser para sempre. Pat tem uma história para sempre e só quando entende que ela já durou o suficiente se liberta e finalmente entendemos tudo.
Entendemos que a loucura é falhar na busca do ponto de equilíbrio, aquela linha tão fina e prateada entre a sanidade e a vontade de que algo seja único e especial ao limite.
O Lado Bom da Vida é que estamos vivos. Essa dádiva da sobrevivência depois da queda, da realidade bonita sendo ela mesma, com casas cinzas, pessoas legais que moram longe, céu nublado que traz chuva e que alimenta as pessoas, mesmo destruindo algumas coisas. No fim das contas quase nada vai sair como esperamos, mas as coisas virão e se soubermos avaliar sem metáforas polianísticas não vai ser nem preciso jogar jogo do contente, ser feliz implica para começar não ser triste.
As chances de sofrer são tão maiores quando queremos a perfeição, tão mais certas quando transformamos em carnaval a quarta-feira de cinzas.
A vida não vai se pintar de purpurina só porque o brilho é legal, as relações não vão ter dias maravilhosos o tempo inteiro porque os meus defeitos vão magoar, os defeitos alheios vão me torturar, a gente vai ter que aprender a crescer junto e também sozinho.
Talvez a vida não seja um filme, mas ela pode ser uma história boa, mesmo assim.
Tiffany, Pat e seus amigos tão completos em suas vidas reais me ensinaram que o importante não é não ser louco, é ter com quem partilhar o pontinho de sanidade que sobra.

"A vida não é um filme de censura livre para fazer com que a pessoa se sinta bem. Muitas vezes a vida real acaba mal (...), Pat. E a literatura tenta documentar essa realidade, mostrando-nos que ainda é possível suportá-la com nobreza."
(página 193)

Que saibamos ser nobres, sempre.

Ficha técnica
Autor: Matthew Quick / Primeira edição - Janeiro de 2013 / Editora Intrinseca / Número de páginas: 254.
(Resenha para o Desafio Literário 2013) 

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Do concreto abstraído em puro tudo


"Com a força da palavra muito
Com a força da palavra tudo
Com a força da palavra urbano
Com a força da palavra humano"

De pequena que sempre fui estranhamente me fascinou o primeiro olhar sobre a imensidão de mundos que existem em São Paulo. A capital de todas as cores, de asiáticos, muçulmanos, budistas, prédios e parques. A cidade que não dorme e que respira ar puro extraído de todo o concreto que não apaga o verde que habita.
Cinco minutos de São Paulo e você se apaixona. Abre os olhos e o céu é tão azul driblando a insistência da garoa e da fama de cidade cinzenta, dois passos e o trânsito te assusta e o metrô está lotado e é tanta gente e tanta história para ser contada, tanta vida esperando atrás de cada esquina, tanta cultura esbarrando em muros, praças, museus, gente.
Canta Criolo que não existe amor em São Paulo, mas naquela incoerência que alguns conceitos conseguem ter, São paradoxo Paulo, tão cheia de urbanidade e tão interiorana em seus bairros, em suas famílias tradicionais, em seu respeito que insiste em ir em frente mesmo na multidão que atropela em busca de um lugar, mesmo quando não respeitam a prioridade do assento para idosos. A cara de um Brasil que é tão tudo que não sabe mais ser só verde e amarelo e azul. Um país de cabelo roxo, olhos puxados, fala arranhada, música eclética, um país que não é o do carnaval, é o do múltiplo olhar.
Pero Vaz de Caminha que insistia que nesse Brasil em se plantando tudo dá merecia ter visitado esse bosque de nascer toda semente desse solo tão coberto de asfalto e tão propício para o nascimento do que se desejar regar com toda a garoa.
Em São Paulo se pintando tudo é cor, se tocando tudo é canção, se amando tudo é amor.
E não venha me lembrar do trânsito, do caos, do excesso de população, deixe que eu insista que há tempo para ser o melhor lugar do mundo lá fora se for o melhor lugar do mundo aqui dentro.
São milhares de cidades de vidas de cores de times de vozes em quatrocentos e cinquenta e nove anos. Parabéns cidade mais universal desse Planeta tão variável. Parabéns casa de todo  coração que souber procurar apenas um motivo que seja para transformar o cinza em um tom a mais na aquarela, o concreto em uma forma abstrata de amar solidificando.
Parabéns São Paulo do meu coração mineiro cativo por sua pluralidade de mosaico que está ainda começando a ser construído.

(Ao som de: São Paulo - SP - Fernanda Abreu)

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Do que soube se fazer bem


'I can't keep up and I can't back down
I've been losing so much time'



Querido,
seguindo aquele protocolo duvidoso que você sempre insistia em seguir me obrigarei a ser superficial no primeiro parágrafo e a falar do tempo. Está um caos esses dias aqui, venta como se fosse agosto, chove como fosse janeiro e faz um frio sibérico como se fosse possível estar em junho outra vez. Se eu fechasse a janela e esquecesse o calendário e voltasse a ser o que era antes as coisas talvez ganhassem mais sentido, mas uma vez você me disse que o sentido está em procurar o significado. Confusamente estou tentando encontrar algo que signifique que eu estou indo em frente.
Procuro nas velhas fotos e o seu sorriso me distrai, você tinha um jeito de cantar enquanto segurava as cartas do baralho que sempre me roubava a atenção e me fazia lixar inapropriadamente, fim do jogo estava você fazendo pontos e pontos em cima das milhares de cartas que eu recolhia perdida na melodia errada que você cantava sorrindo. Entende onde quero chegar? Você vinha me inebriar e na sua maestria de moço bondoso me conduzia para dentro do ritmo, fosse ele existente apenas em você ou não.
Teria uma fórmula para eu não me apegar? Porque já tantas vezes vivi nessa incoerência de ser o boneco de lata do mágico de Oz e não querer ser mais e outra vez querer ter um coração e depois praguejar por sentir tanto e tudo e ter esse nó insatisfeito que parece aumentar conforme eu giro o volume do som. Não consigo me compreender. Sinto tanto por isso, tanto, porque eu sei que você veio com todo o seu mundo para me fazer bem e olhe só, baguncei tudo e todos os defeitos que você deixou para trás agora me assombram numa caixa de pandora transfigurada naquela corda de violão arrebentada que eu jamais tive coragem pra trocar.
Você me ensinou que coisas quebradas valiam porque você fez com que eu valesse enquanto esteve aqui. E eu acreditei que poderia ser melhor, eu acreditei que poderia ir em frente e quando abri a janela e reparei você já havia se soltado. Agora entra o vento daquele buraco no vidro que antes a gente ficava por horas vendo o Sol fazer sombras estranhas no chão, agora a corda arrebentada parece desafinar todo som que reverbera nessas paredes e tenho a sensação que cada defeito meu se enraizou e sou um cedro centenário enquanto você foi colher conchas no mar, tirá-las do seu lugar para enfeitar uma estante longe, bem longe daqui.
Sabe meu bem, eu desejo mesmo que você tenha se tornado melhor, que o tempo que a gente teve tenha sido um tempo de aperfeiçoamento para você porque assim eu me sentiria menos triste, ao menos em alguém ele refletiu de forma boa, ao menos eu poderia fechar os olhos em paz por segundos e imaginar que tudo que doeu foi só em mim e hoje você sorri mais completo porque aprendeu a ser o que queria. Não preciso que você volte para me consertar. Não preciso que venha me cobrir de noite porque aprendi no custo que é frio só até certo ponto, depois o corpo se acostuma e fica mais fácil adormecer. Não preciso que leia tudo isso e sinta pena de mim, pena por eu ter permanecido no mesmo lugar, ainda aquela menina cheia de confusão mental, ainda aquela menina que vê cores e senta no chão para ver nuvens. Eu fiquei porque se seguisse seus passos seria o quê? Se eu te seguisse teríamos o mesmo plano bobo de antes? Você ainda conseguiria acreditar que teria forma de me fazer feliz? Porque por estar eu entendi, hoje, agorinha a mesmo enquanto vasculhava outra vez a caixa de entrada do telefone e notava que não havia nem sinal de fumaça seu, eu enxerguei que não posso aprender nas suas custas. Eu preciso por mim recolher o caco, por mim arrumar a corda do violão, assoprar a poeira que tomou conta dos meus livros de cabeceira enquanto eu estava nessa bobeira doce de ser o seu pedaço predileto de mundo.
O que eu busco com isso tudo é só que você leia e sorria aliviado, a gente não aprende pelos erros alheios, aprende pela constatação de que erra e feio, tenho errado frequentemente tentando aprender observando, é hora de desempenar os braços e tatear, que seja, mas procurar uma saída de onde eu mesma me enfiei. Não dá para desejar que me joguem cordas,  não mais.
E venho perfumada daquele cheiro infantil que eu sempre tive te dizer obrigada. Obrigada por ter sido o possível e ter aguentado o peso que eu coloquei nas suas costas de ser o meu guia. Foi demais, eu sei. Não volte agora porque eu estou tentando seguir um trilho novo, estou tentando fazer uma estrada com meu pé esquerdo meio torto. Mas volte um dia, se puder. Volte pra gente sentar e pra eu tentar te fazer feliz com o que aprendi de felicidade dentro de mim, tudo bem?
Um dia, quando os defeitos, os seus e os meus, tiverem caixinhas próximas e puderem sorrir de paquera um pro outro, distintos, completos em si mesmos.


(Ao som de: You and Me - Lifehouse e The Cave - Mumford & Sons)
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